Neta de lavradores de café do interior de São Paulo, Vanessa Petroncari resgata memórias ancestrais e narrativas de mulheres que trabalhavam nas lavouras de café no solo Fuxicos, com direção de Alejandra Sampaio. O espetáculo estreia em 1º julho, na sede da Associação Zona Franca, na Bela Vista, e fica em cartaz até o dia 30 do mesmo mês, com apresentações aos sábados, às 20h, e aos domingos, às 19h.
Escrito em 2020 pela própria Vanessa, o texto contou com assessoria dramatúrgica de Kiko Marques e nasceu de uma pesquisa da artista sobre narrativas femininas, o contexto da vida no campo e possibilidades de escolhas para mulheres. Entre 2018 e 2020, ela coletou histórias da própria família e de outras mulheres que passaram por contextos de transformações, adoecimentos e resistência, além de peças artesanais feitas manualmente por sua mãe, avós, bisavós, tias etc.
A peça tem como mote principal a cultura de confecção de fuxicos, um artesanato feito por mulheres da roça com sobras de tecidos em ocasiões em que se reuniam para costurar e “fuxicar” sobre a vida. Em reuniões notadamente femininas, havia a confecção de produtos artesanais, troca de saberes e manutenção de memórias através da oralidade.
“A vida caipira, no interior do estado de São Paulo no século XX, reservou papel nitidamente doméstico às mulheres, delegando-lhes os cuidados do lar, da criação dos filhos e manufaturas necessárias. Isso contribuiu para que a nossa sociedade ainda esbarre na romantização da figura da “super mulher”, que dá conta de tudo, sem se perguntar o quão dolorido e adoecedor isso pode ser. Meu desejo é falar sobre essas dores, mas também sobre nossas estratégias de resistência e sobrevivência afetiva. Essa peça fala, sobretudo, de cura. Uma cura que é encontrada nos encontros e nas histórias que são transmitidas sabiamente de geração a geração”, comenta Vanessa Petroncari.
Fuxicos é uma espécie de “mandala teatral”, na qual mãos ancestrais femininas trabalham sobre o tempo e nos contam histórias. “Como neta de lavradores de café, passei a maior parte da infância na roça em São Manuel. Eu faço fuxicos desde a adolescência; o crochê aprendi na infância, tudo com as minhas avós. Acho que, conforme vamos tecendo essas pequenas peças de artesanato, vamos tecendo, em alguma medida, os fios das nossas vidas – esse rio que ninguém sabe ao certo onde vai desaguar. Eu gosto de pensar que em cada fuxiquinho tem uma história costurada. Quantas histórias cabem em uma vida?”, filosofa.
A ideia do espetáculo é criar uma reflexão sobre as heranças femininas e suas expectativas familiares e sociais, assim como as possibilidades de quebra e negação a um modelo apresentado.
Em cena, são discutidas questões como: “Em que medida nós, mulheres, vivemos a vida que escolhemos viver ou vivemos uma vida que nos foi destinada pela família e sociedade? Quem são as mulheres de nossa família? Essas mulheres tiveram a possibilidade de escolha de um modelo de vida? Ou ainda, puderam recusar tal modelo? Como costuramos e descosturamos as memórias e tradições em um tecido próprio?”.