“Trata-se de uma iniciativa com os quais arquitetos e urbanistas não podem concordar, pois fere o princípio conceitual do planejamento urbano”, diz o Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ, Sydnei Menezes, sobre o Projeto de Lei Complementar (PLC) 2/2025, conhecido como “mais-valia, mais-valerá”, aprovado no último dia 15 de maio pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A proposta permite a legalização de construções irregulares mediante pagamento de contrapartida financeira à prefeitura, criando exceções que, na prática, contornam o plano diretor, a lei de uso e ocupação do solo e outros marcos legais fundamentais.
O presidente do CAU/RJ alerta que esse tipo de medida fere os princípios conceituais do planejamento urbano e pode comprometer a lógica do ordenamento territorial, especialmente se as exceções passarem a se sobrepor às normas estabelecidas. De acordo com Sydnei Menezes, o projeto representa uma contradição por permitir a “legalização do ilegalizável”.
“Quando se estabelece uma alternativa como a “mais-valia, mais-valerá”, um conceito específico do Rio de Janeiro, cria-se uma exceção significativa, permitindo que o que não é legalizável pela legislação urbanística passe a ser, na prática, legalizado. A contrapartida disso é a arrecadação financeira para os cofres municipais. Sob uma perspectiva geral, trata-se de um instrumento e de uma iniciativa com os quais arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos não podem concordar, pois fere o princípio conceitual do planejamento urbano”.
Entende-se que a cidade é dinâmica, e as circunstâncias se transformam. É preciso, portanto, adotar uma visão de flexibilidade, especialmente no caso do projeto de lei complementar atualmente em discussão, que prevê a legalização de determinadas obras e projetos, inclusive os que ainda serão executados. No entanto, arquitetos e urbanistas alertam que esse processo deve ser conduzido com rigor técnico e critério, sob o risco de que medidas excepcionais se tornem regra, enfraquecendo a legislação vigente e os princípios definidos no plano diretor.
“Alguns pontos dessa proposta precisam passar por revisão. Do ponto de vista do impacto sobre o espaço urbano, há iniciativas com efeitos menores que podem ser absorvidas, desde que existam instrumentos urbanísticos capazes de assegurar que essas exceções permaneçam como tal. De forma geral, determinados aspectos precisam ser aprimorados, como a ocupação de quadras e a adoção de edificações com gabaritos muito elevados como referência, o que acaba se tornando um parâmetro inadequado”, ressalta o presidente do CAU/RJ.
A discussão sobre a flexibilização da legislação urbanística no Rio de Janeiro reacende um alerta importante para o risco de retorno a práticas anteriores à Constituição de 1988, quando as políticas de ordenamento urbano eram definidas por decretos ou leis municipais, sem debate público ou aprovação legislativa. Na época, faltavam mecanismos democráticos que garantissem que as decisões sobre o uso do solo refletissem a realidade urbana, socioeconômica e ambiental das cidades.
“Há ainda outras iniciativas pontuais que também precisam ser tratadas com cuidado, por meio de regras claras que limitem e orientem essas ações, de forma que não se tornem permanentes. É essencial garantir que a flexibilização não gere impactos negativos sobre o ordenamento urbano como um todo”, destaca Menezes.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ) reforça que a aplicação da lei precisa ser cuidadosamente analisada. Sem esse cuidado, há o risco de comprometer os princípios do plano diretor e repetir um padrão recorrente no país, em que o caráter provisório de certas iniciativas se perpetua, impactando negativamente o ordenamento urbano a longo prazo.