Uma autoficção radical, do jeitão que eu gosto, pra deixar Louis e Ernaux prostrados diante das dores do terceiro mundo
Por Alan dos Santos (Lado B Literário)
Uma autoficção radical, do jeitão que eu gosto, pra deixar Louis e Ernaux prostrados diante das dores do terceiro mundo. Esse é o Porca Gorda, de Jéssica Balbino (Barraco Editorial).
Um desabafo de altíssima qualidade literária, sem condescendência consigo e com o próximo, sem o mínimo flerte com qualquer positividade, um chute na bunda da galera do body positive.
Um relato em primeira pessoa sobre o seu corpo marginalizado, fora dos padrões estéticos dominantes, transformado em campo de batalha.
Corpo não é templo, corpo é campo de batalha!
Gostei por se tratar de um relato de alguém que aprendeu a gozar e desejar.
É raro ver pessoas assim: que superam o desejo de reconhecimento e operam o reconhecimento do próprio desejo.
Eu, que nunca paguei um dia de academia (o futuro a deus pertence) e que rejeito a indústria fitness e a estética associada a ela, me deliciei com a leitura, apesar do desconforto que o texto gera, inevitavelmente.
É um texto perturbador e libertador.
Não é inútil dizer: uma vida qualificada não tem nada a ver com magreza.
Antes, tem a ver com redução da jornada de trabalho, com relações humanas saudáveis, com distribuição de renda, com acesso à cultura e com uma ética de apoio mútuo.
Essa cultura do “de hoje está pago” é radicalmente diferente.
Curioso esse significante: pagar. Ouço isso e me vem à mente a lógica do Capital, com suas dívidas (econômicas e psíquicas) e pagamentos. É um clichê sociológico, mas um clichê incontornável e preciso.
Por fim, círculos progressistas também podem ser tóxicos, e algumas das experiências de Balbino mostram isso.
Um baita livro. Muitíssimo bem escrito. Um livro que já nasceu clássico.