Quando o Amor ao Próximo Salva
No mês de novembro tomei conhecimento de cinco suicídios de Policiais Militares no Estado de São Paulo. Isso demonstra o quanto a corporação está mentalmente adoecida. Conversando com um soldado, ele me disse: “Todos os dias eu penso em tirar minha vida.” Ele tem dois filhinhos pequenos e está longe de casa há muitos anos, esperando uma transferência. A pressão exagerada, o assédio, o alcoolismo, trabalhar até a exaustão, o vício em jogos, a desilusão amorosa, trabalhar distante da família e as dificuldades financeiras são alguns dos motivos que levam muitos policiais à depressão.
O jovem entra na corporação com o sonho de ser policial militar para combater o crime e manter a lei e a ordem. Mas muitas vezes se depara com superiores sem espírito de liderança, com traços de psicopatia e que não se importam com o sofrimento do próximo.
Recentemente, um jovem Policial Militar que deveria estar nas ruas fazendo policiamento foi colocado para trabalhar como faxineiro no batalhão. Cansado de ser desvalorizado e humilhado diante dos colegas de farda, disse que só continuaria lavando banheiro mediante ordens escritas. O responsável pelo batalhão deu voz de prisão por desacato e o encaminhou ao presídio Romão Gomes. Se ele quisesse ser faxineiro, estaria em uma empresa de terceirização ganhando um salário mínimo para fazer faxina. Não teria prestado um concurso rigoroso nem passado um ano em treinamento para ser policial. Situações como essa levam muitos ao suicídio.
O Coronel Edson Ferrarini, advogado e professor de Direito Penal, é um exemplo de sabedoria, amor e acolhimento. Ele conta que, quando era Coronel da Polícia Militar, flagrou um soldado bêbado na viatura com um galão de cachaça. Sua obrigação seria expulsá-lo, mas pediu a folha corrida do policial e descobriu que ele era um excelente profissional, com 20 anos de serviço, esposa e filhos. Isso fez o Coronel refletir.
Ele colocou o policial para trabalhar internamente, buscou grupos de apoio ao alcoolismo, matriculou-se no curso de Psicologia, fez especialização em álcool e drogas na Holanda e montou, na zona sul de São Paulo, um instituto que atendia gratuitamente pessoas com vício em álcool e drogas. Por lá passaram mais de 100 mil pessoas em busca de ajuda. Aquele policial, recentemente, recebeu um troféu por completar 40 anos sem uma gota de álcool. Ferrarini foi Deputado por sete mandatos e, hoje, aos 90 anos, dá palestras para ajudar empresas a cuidarem da saúde mental de seus funcionários.
É muito comum ouvir relatos de policiais femininas vítimas de assédio. Ao dizerem “não”, passam a ser perseguidas com escalas exaustivas e funções humilhantes. Nada podem fazer, pois, se denunciarem, ficam marcadas e desacreditadas. A verdade é uma só: o policial militar tem medo de buscar ajuda. Se disser ao seu comandante “eu quero me matar”, perde sua arma — e com ela vai sua segurança e seus benefícios. Ele não pode se dar a esse luxo, pois seu orçamento já é apertado.
O mundo mudou, e a saúde mental hoje mata mais que o câncer. A Polícia Militar do Estado de São Paulo também precisa mudar, começando por valorizar seus integrantes, melhorar salários, promover cursos de reciclagem e ensinar seus membros a cuidar de quem cuida. E, principalmente, os oficiais devem passar por reciclagem com foco na humanização, valorização e acolhimento, para que se tornem líderes dos quais seus policiais tenham orgulho. Algo precisa ser feito — e precisa ser feito agora.
Sandra Campos perdeu há dois anos seu filho de 24 anos para o suicídio e se tornou uma ativista pela vida com o Projeto “Não te julgo, te ajudo!” Ela se coloca à disposição para ouvir, gratuitamente, pessoas em sofrimento. Celular: (11) 94813-7799