Invisíveis, mas não indolores: como as obrigações emocionais de fim de ano amplificam o esgotamento de mulheres

Invisíveis, mas não indolores: como as obrigações emocionais de fim de ano amplificam o esgotamento de mulheres

Gazeta24h
5 min de leitura 4.2k

Mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens a tarefas domésticas, e sobrecarga no fim de ano agrava burnout que atinge 66% das profissionais

Dezembro costuma ser lembrado como o mês das celebrações, mas, para milhões de mulheres brasileiras, representa o momento mais crítico de acúmulo físico, emocional e mental. Enquanto as festas prometem descanso, os bastidores revelam uma dinâmica desigual: são elas que organizam ceias, compram presentes, planejam encontros, administram conflitos familiares e ainda fecham o ano profissional com metas, cobranças e avaliações de desempenho.

Os dados confirmam essa sobrecarga. Segundo o IBGE, as mulheres dedicam 21,3 horas semanais aos cuidados de pessoas e às tarefas domésticas, quase o dobro das 11,7 horas dos homens. A Oxfam Brasil reforça esse cenário ao mostrar que 85% do trabalho de cuidado no país é executado por mulheres, majoritariamente de forma invisível e não remunerada.

A desigualdade se agrava quando se considera raça e classe. Mulheres pretas ou pardas dedicam 1,6 hora a mais por semana às tarefas domésticas do que mulheres brancas. Entre as mulheres de menor renda, a carga aumenta ainda mais: são 7,3 horas semanais extras em comparação com as de maior renda, conforme o IBGE.

Além das estatísticas, relatos individuais ajudam a traduzir o peso dessa rotina. Mariana Rocha, ex-assistente de vendas de uma multinacional francesa, lembra que dezembro era sinônimo de tensão dentro e fora do trabalho. 

“No final do ano, a cobrança triplicava. Existia a pressão do setor para cumprir metas, e, ao mesmo tempo, a avaliação individual, que determinava se eu receberia aumento ou bônus no próximo ano. Eu já estava exausta, mas precisava entregar o máximo. Chegando em casa, começava outra jornada: organizar e planejar a casa para a ceia de Natal além de administrar expectativas. Era como se eu tivesse que dar conta de tudo, em todos os lugares”, relata.

O depoimento de Mariana reflete a realidade da maioria das brasileiras em dezembro: uma exaustão silenciosa que combina jornadas longas no trabalho e em casa, expectativas irreais e a crença social de que mulheres “nascem prontas” para cuidar de tudo e de todos. 

Efeito dominó na saúde mental

Essa sobrecarga contínua tem se refletido no aumento de adoecimentos. Em 2024, o Brasil registrou cerca de 472 mil afastamentos por transtornos mentais, segundo o Ministério da Previdência Social,  um salto de 68% em apenas um ano. As mulheres representam 63,8% dos casos.

“Dezembro é um gatilho emocional. As mulheres não apenas executam as tarefas, que já não são poucas; elas também carregam a chamada ‘carga mental’: lembrar de tudo, antecipar problemas, gerenciar expectativas. É uma sobrecarga que adoece de maneira silenciosa e profunda”, explica a psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisa e Estudos do Feminino (Ipefem), Ana Tomazelli.

Entre líderes mulheres, o quadro é ainda mais crítico. Um levantamento da Telavita revela que 66,67% das profissionais em cargos de alta gestão apresentam burnout completo, enquanto 16,67% relatam esgotamento. 

Impacto direto nas empresas: fuga de talentos e queda de performance

O esgotamento feminino ultrapassa as fronteiras da saúde pública e se torna um problema empresarial. Conforme um levantamento global realizado pela Deloitte53% das mulheres relatam níveis de estresse mais altos do que no ano anterior e quase metade se sente esgotada (burnout). 

“Quando ignoramos a divisão desigual das responsabilidades dentro e fora do trabalho, comprometemos não só o bem-estar das colaboradoras, mas também os resultados das organizações”, afirma Tomazelli.

A carga total de trabalho das mulheres — entre tarefas remuneradas e não remuneradas — chega a 54,4 horas semanais, comparada às 52,1 horas dos homens. Isso significa que elas começam o dia corporativo já com déficit energético.

Uma pesquisa da International Stress Management Association (ISMA) revela que, em dezembro 75% das pessoas ficam mais irritadas, 70% mais ansiosas, 80% sentem mais tensão no corpo e 38% têm problemas para dormir. Quando essa realidade encontra o auge da jornada feminina, a combinação é explosiva.

Medidas que as empresas podem adotar agora e que terão impacto real

Para Ana Tomazelli, dezembro deveria ser um período de atenção redobrada das lideranças — não só pelo aumento natural das demandas profissionais, mas porque este é justamente o momento em que as responsabilidades emocionais e domésticas também se intensificam. Por isso, políticas corporativas mais sensíveis à vida real das mulheres podem fazer uma diferença concreta tanto na saúde mental quanto no engajamento e na permanência delas no time. A especialista destaca algumas ações:

  1. Ajustar metas e expectativas para o último trimestre: em vez de concentrar entregas estratégicas apenas nas últimas semanas do ano, líderes podem revisar prioridades, redistribuir tarefas e definir metas realmente viáveis. Isso reduz a sensação de corrida contra o tempo — especialmente comum entre mulheres, que acumulam responsabilidades emocionais dentro e fora do trabalho — e evita que o time ultrapasse o limite de carga mental.
  2. Estabelecer períodos de foco e limites de comunicação: bloquear horários sem reuniões, instituir dias com menor volume de calls e orientar líderes a evitar mensagens fora do expediente são ações simples, mas altamente efetivas. Esses limites preservam a energia mental, diminuem interrupções e ajudam profissionais a organizarem melhor a rotina, sobretudo no período em que obrigações pessoais aumentam.
  3. Oferecer suporte psicológico e espaços seguros de escuta: programas de apoio emocional, rodas de conversa e acompanhamento psicológico corporativo demonstram cuidado real com o time. Além de reduzir o estigma sobre saúde mental, essas iniciativas criam um ambiente onde mulheres se sentem à vontade para comunicar sobrecarga antes que ela evolua para burnout.
  4. Flexibilizar horários e possibilitar trabalho híbrido: com eventos familiares, demandas escolares e tarefas domésticas crescendo no fim do ano, a flexibilização se torna um diferencial de bem-estar. Opções como entrada/saída ajustada, dias remotos e autonomia na organização da agenda aliviam pressões e evitam que mulheres assumam jornadas duplas exaustivas.
  5. Promover divisão mais equilibrada de tarefas dentro dos times: rever quem está centralizando entregas, redistribuir responsabilidades e estimular a colaboração são medidas que combatem a sobrecarga silenciosa, muitas vezes direcionada às mulheres por um senso tácito de “responsabilidade emocional”. Quando a divisão é revisada, o time inteiro performa melhor.
  6. Reconhecer esforços e oferecer previsibilidade: mapear entregas do ano, comunicar claramente o que será prioridade e valorizar publicamente conquistas individuais e coletivas fortalece a motivação. A previsibilidade reduz a ansiedade e o reconhecimento ajuda a combater a sensação de que todo esforço emocional “não aparece”, como muitas mulheres relatam.

O que você achou?

Amei 37
Kkkk 6
Triste 2
Raiva 9
↓ LEIA A PRÓXIMA MATÉRIA ABAIXO ↓

Espere! Não perca isso...

Antes de ir, veja o que acabou de acontecer na Bahia:

Não, obrigado. Prefiro ficar desinformado.