No último dia 25 de maio, o International Accounting Standards Board (IASB), órgão responsável pela emissão das normas internacionais de contabilidade (IFRS) emitiu o documento Supplier Finance Arrangements (Amendments to IAS 7 and IFRS 7), que traz novas regras de divulgação sobre as operações de risco sacado, também conhecidas no Brasil como forfait, convênio e factoring reverso.
No passado recente – em razão de escândalos contábeis ocorridos no mercado brasileiro –, houve certa “demonização” desta operação, como se existisse algo de ilícito neste produto financeiro; e como se ele fosse a causa de eventuais rombos contábeis.
Veja-se: não devemos culpar o automóvel se um criminoso dirige propositalmente contra uma multidão com o objetivo de matar pedestres. O automóvel é apenas o “meio” utilizado para cometer o homicídio doloso. Tampouco faz qualquer sentido culpar as montadoras de veículos ou fornecedores de peças. Neste sentido, é preciso distinguir o “meio” do “ato ilícito” em si.
De fato, não existe nada de obscuro, complexo ou não usual nesta transação. Ao contrário, trata-se de um simples desconto de títulos contratado pelo fornecedor de uma empresa que pode ser assim sumarizado:
I. A empresa adquiria mercadorias de um determinado fornecedor a prazo para pagamento em data futura;
II. Este fornecedor, que deseja ter a disponibilidade (caixa) imediata dos recursos solicitava ao Banco a antecipação (desconto) dos valores com um deságio (proporcional ao tempo previsto para liquidação da fatura);
III. Para a confirmação da transação (e por isso o nome confirming), o fornecedor envia ao Banco as condições negociadas da compra e venda de mercadorias – que também deve ser confirmada pela empresa que realiza a compra;
IV. O Banco deposita os valores antecipados ao Fornecedor sendo que, na data de vencimento, a empresa paga o valor da fatura diretamente ao Banco.
Para fins contábeis, independente da forma de classificação, tal transação encontra-se sob o escopo do Pronunciamento Técnico CPC 48 – Instrumentos Financeiros, que possui correlação com a norma internacional IFRS 9. Para fins desta norma, obrigações contratuais de pagar fornecedores ou bancos atendem a definição de instrumentos financeiros.
Uma das principais discussões contábeis acerca do tema envolve a forma de classificação e apresentação dos passivos oriundos das operações de risco sacado nos Balanços – um problema eminentemente de “geografia” contábil. Esta celeuma decorre de a transação ter uma natureza “hibrida” já que ela nasce como transação eminente comercial – uma compra e venda de mercadorias – e se encerra mediante a liquidação com uma instituição financeira, possuindo, portanto, características de dívida.
A alteração normativa não aborda diretamente esse tema, mas aumentou as exigências de divulgação sobre tais operações com o objetivo de trazer maior transparência aos Balanços. O objetivo é auxiliar credores e acionistas a compreender os efeitos dessas transações no processo de tomada de decisão econômica
Dentre as novas exigências de disclosure trazidas, encontram-se:
(i) os termos, prazos e as condições das operações celebradas;
(ii) as rubricas contábeis em que as transações foram registradas;
(iii) a movimentação financeira ocorrida no período, incluindo os saldos iniciais e finais;
(iv) riscos de liquidez relacionados a tais operações etc.
Essas exigências são aplicáveis para a partir do ano de 2024. Importante salientar que como a contabilidade brasileira encontra-se convergente com o padrão global (IFRS), tais alterações serão provavelmente incorporadas ao ordenamento contábil brasileiro por meio de normas emitidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). As normas do CPC são geralmente ratificadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tornando-as aplicáveis às companhias abertas. Neste contexto é esperado que a partir do ano de 2024 as exigências referentes a esses novos critérios de divulgação das operações de risco sejam igualmente exigíveis para as companhias listadas no Brasil.
Vem em boa hora essa norma normatização contábil: afinal, a luz do sol é o melhor desinfetante.
FERNANDO DAL-RI MURCIA
Professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo – FEA/USP. Professor Convidado da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FDUSP). Diretor de Pesquisas da FIPECAFI.