Durante o Mês do Orgulho LGBTQ+, celebrado em junho, ganha força a lembrança de Stonewall, os distúrbios que eclodiram em Nova York em 1969 e deram origem à luta moderna por direitos civis da comunidade. Mas, em meio às bandeiras coloridas e campanhas publicitárias, um tema segue pouco explorado: a violência contra mulheres trans e travestis, que continuam entre as maiores vítimas da intolerância no mundo. Algumas dessas histórias são amplamente conhecidas, não porque tenham sido protegidas, mas porque suas protagonistas são figuras públicas.
A artista brasileira Linn da Quebrada, de 34 anos, se identifica como travesti e já relatou publicamente episódios de violência simbólica e física, além da constante sensação de estar em perigo por simplesmente existir. Durante o Big Brother Brasil 22, ela afirmou: “Sou uma mulher, mas sou uma mulher travesti. É importante que isso seja dito”. Linn também relembrou em entrevistas episódios em que teve seu corpo tratado como aberração e como alvo de correção social. Sua presença na mídia tornou-se um contraponto potente à invisibilidade que atinge tantas outras travestis no Brasil, país que lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans há 17 anos consecutivos.
Lea T, modelo internacional de 44 anos, também já abordou o medo cotidiano ao transitar em espaços públicos. Apesar de ter vivido boa parte da vida fora do Brasil, ela revelou que evita sair sozinha à noite quando está no país. Em entrevistas, destacou que mesmo no mundo da moda, onde conquistou reconhecimento, o preconceito continua presente nos bastidores. Para ela, ser uma mulher trans famosa não impede a marginalização, apenas dá visibilidade a ela.
Pabllo Vittar, de 31 anos, não se identifica como mulher trans, mas é uma drag queen e pessoa de gênero fluido que frequentemente expressa feminilidade em público. Essa expressão tem feito de Pabllo alvo recorrente de ataques transfóbicos. Já recebeu ameaças de morte, teve shows cancelados por pressão de grupos conservadores e foi alvo de ofensas em espaços digitais e físicos. Sua trajetória, marcada por resistência, revela como a dissidência de gênero, mesmo quando mediada por fama, ainda provoca reações violentas em uma sociedade que associa feminilidade a fraqueza ou submissão.
Fora do Brasil, a atriz norte-americana Laverne Cox, de 52 anos, também falou abertamente sobre as agressões que sofreu. Em 2020, foi perseguida e teve um amigo agredido fisicamente por um homem que os abordou com insultos transfóbicos em um parque de Los Angeles. “Quando essas coisas acontecem, não é sua culpa. Nós temos o direito de andar no parque”, declarou na época. Sua frase ecoa a realidade de tantas outras mulheres trans: o simples fato de ocupar o espaço público é percebido como ameaça por uma parte da sociedade.
Casos como esses acendem um alerta sobre o papel da legislação e da responsabilização penal. Para o advogado criminalista Davi Gebara, ainda há muito a ser feito. “A violência contra pessoas trans muitas vezes sequer entra nas estatísticas, o que por si só já compromete a resposta do Estado. Apesar de avanços como o reconhecimento da transfobia como crime de racismo, ainda faltam políticas públicas específicas de proteção, delegacias capacitadas e mecanismos de denúncia que funcionem na prática”, afirma.
O especialista lembra que, desde 2021, decisões do Superior Tribunal de Justiça e de tribunais estaduais têm garantido a aplicação da Lei Maria da Penha a mulheres trans em situação de violência doméstica, um avanço importante, embora ainda não regulamentado por lei específica. “O Judiciário tem reconhecido esse direito com base na identidade de gênero, mas isso ainda depende da sensibilidade de cada caso e não de uma política nacional consolidada”, conclui.