41 anos depois, o registro da apresentação de Milena & João do Vale de 1982 chega em vinil, pela Companhia de Discos do Brasil. O repertório do disco que abre com Maria Moita, de Carlinhos Lyra e Vinicius de Moraes, mescla composições de João do Vale (e seus muitos parceiros), incluindo uma inusitada, e inédita, parceria com escritor e jornalista Arthur José Poerner (Pra Multiplicar o Bem), e de canções conhecidas de autores como Ary Lobo, Zé Dantas, Humberto Teixeira, Gonzagão e Gonzaguinha. São dez faixas, algumas com duas ou mais músicas no vinil azul translúcido esfumaçado 180 gramas. O LP já está à venda no site da gravadora a partir de hoje: www.companhiadediscosdobrasil.com.br.
Presente no circuito da Música Popular Brasileira a partir de 1950, João do Vale ficou conhecido com as canções “Carcará”, “A voz do Povo”, “Peba na Pimenta”, “Minha História”, “Pisa na Fulô”, “Sina de Caboclo”, “Pra mim não”, “A lavadeira e o lavrador”, “O jangadeiro”, “O bom filho à casa torna”, “Fogo no Paraná”, “Segredos do Sertanejo”, entre diversas outras. Estas, presentes no LP “O Poeta do Povo”, lançado em 1965, tornaram-se um testemunho de vida sobre o Nordeste, o povo, a política e a nação. Abrangem a relação do artista com a poesia e com a música popular brasileira, contextualizando a produção de João em dois momentos distintos: o do baião e o da canção engajada.
Autor de composições carregadas de significados variados, João do Vale foi letrista, compositor e cancionista. Suas canções nos chegam como um grito de lamento, denúncia e revolta. As imagens simbólicas de seu cancioneiro exprimem sua própria voz, a vida nordestina e a experiência de sobrevivência dos sujeitos. Essa marca notável nos provoca, nos inquieta e fez nascer a ideia desse disco. As letras das canções chamam a atenção para a participação do artista no processo de ressignificação do Nordeste, ao criar e metaforizar em imagens um lugar que lhe é próprio e identificá-lo com o contexto de violência e aridez política que se vivia no país nos anos 1960, amplamente manifestado nas canções de protesto.
São letras de canção, mas sua condição poética nos remete a considerar a possibilidade de leitura de uma voz testemunhal intensa, violenta e criativa, que se manifesta na experiência de um sujeito praticamente iletrado, marcado por uma vida de sofrimento. Sua inteligência e inventividade popular o fizeram adentrar estrategicamente no campo da música brasileira e por lá permanecer, ora fazendo sucesso, ora nem tanto.
Baiana de Juazeiro, onde iniciou seus primeiros passos na arte musical, Maria Madalena Antunes dos Santos, que adotou o nome artístico Milena, improvisava em seu bairro shows onde era cantora e apresentadora ao mesmo tempo. Em 1967, começava no campo profissional e imitava Ângela Maria e Elis Regina, atuando como cantora de um conjunto no interior da Bahia. Mas o desejo de Milena era ser ela própria, e quando Flávio Cavalcanti abriu o MIT – Mercado Internacional do Talento, na Rede Tupi, resolveu se inscrever e ganhou o concurso.
O apresentador, entusiasmado com a nova cantora, tratou de apresentá-la a Magno Salerno, produtor do Canal 4 e da Chantecler. A primeira gravação de Milena, um compacto simples, saiu com “Viva Deus”, de Dora Lopes e “Mil Anos de Saudade”, de Tito Madi. Mesmo tendo gravado mais seis compactos na Chantecler, Milena resolveu mudar de gravadora. A convite de Moacir Machado, foi para a Odeon, onde gravou “Laço”, música vencedora do 5º Encontro Nacional de Compositores de Samba do Rio de Janeiro, de Noca da Portela e Joel Meneses.
Depois veio um LP: “Sorriso Aberto”, lançado em 1975 pela Odeon que teve grande aceitação devido a faixa “Soda com Cinzano”. A entrada da artista na Odeon seria para substituir Clara Nunes que recebeu uma proposta irrecusável da Philips. No entanto, a matriz da Odeon em Londres resolveu cobrir a proposta da Philips e Clara se manteve na gravadora, o que fez com que o disco de Milena não recebesse a devida atenção e divulgação.
Em 1979, Milena vai para CBS e lança o álbum homônimo “Milena” que conta com grandes sucessos como “Mangaratiba”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e “Me Deixa Ficar”, de Yvone Lara e Délcio Carvalho. Esse disco contou com arranjos da violonista Rosinha de Valença. Em 1987, Milena lança “O Gosto do Amor”, pela gravadora 3M com produção de José Milton. O disco reúne sucessos como “São Francisco”, de Rosinha de Valença e “Roda da Bahia”, de Paulo César Pinheiro e Edil Pacheco.
Em 2012, Milena lançou seu quarto álbum, “Por Onde Passa a Memória” e em 2014 o álbum-tributo “100 Anos de Aracy de Almeida”. Em 2019 foi lançado “João do Vale: Muita Gente Desconhece”, o sexto e último álbum da carreira de Milena. Em 2020, foi lançada a coletânea “Anos 70”, que reúne gravações inéditas da artista. Os quatro discos foram produzidos por Thiago Marques Luiz.
Em 2022, foi lançado nas plataformas digitais “Milena & João do Vale Ao Vivo”, show de 1982 recuperado recentemente em fita dos pertences deixados pela cantora. Milena saiu de cena em 1º de junho de 2020, em São Paulo, após sofrer uma parada cardíaca por conta de uma fibrose pulmonar, da qual ela sofria há anos.
Por força do destino, a dupla não chegou a gravar até que esta fita de rolo encontrada recentemente nos guardados de Milena, se transformou quatro décadas depois no primeiro disco da dupla. Um registro histórico, não apenas por ser a primeira gravação ao vivo de Milena & João do Vale, mas por ser o registro de um show que foi visto e apreciado por muita gente que o guardou na memória com muito carinho e saudade.
Vivas à música de João do Vale e ao canto de Milena. Eternos, mais ainda agora!
Sobre a Companhia de Discos do Brasil:
Em tempos nos quais os álbuns físicos vão virando item de colecionador e as plataformas de streaming vão se tornando a forma padrão de se escutar música, fica surpreso quem acha que o amor pelo tempo dos vinis é coisa do passado. A simplicidade e a originalidade desse objeto tão especial para tantos é algo que ultrapassa as barreiras do tempo e encontra novos significados. Agora, junte esse apreço todo com um amor pela Música Popular Brasileira, e misture ainda com o desejo de lançar no mercado brasileiro as maiores preciosidades do cancioneiro nacional: assim nasce a Companhia de Discos do Brasil que pretende trazer ao mercado registros raros e inéditos de artistas da MPB.
Ficha técnica:
Uma produção da Companhia de Discos do Brasil
Diretor artístico: Paulo Henrique de Moura
Produzido por: Thiago Marques Luiz
Digitalização da fita original, mixagem e masterização: Anderson Cesarini
Direção do show: Lícia Maria
Piano: Cidinho Teixeira
Guitarra: Pipiu
Contrabaixo: Bebeto
Bateria: Paulo Camanga
Sax e flauta: Renato Franco
Percussão: Ary
Sanfona: Jaime
Zabumba e coro: Ivanildo
Triângulo: Fit-Fit
Capa: Leandro Arraes
Fotos: Acervo Pessoal Milena, Thereza Eugênia, Arquivo Nacional e Arquivo Público do Estado de São Paulo