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Comissão Arns] Nota Pública #59 – A democracia não pode conviver com chacinas

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A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns vem se posicionar publicamente para exigir das autoridades da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo, assim como dos poderes da República, em Brasília, uma resposta contundente aos recentes episódios que resultaram em dezenas e dezenas de mortes nesses três estados da Federação.

Existe um vínculo indissolúvel entre democracia e respeito aos direitos humanos. Nenhuma democracia é digna desse nome quando a violação desses direitos se torna sistemática, sem resposta efetiva dos poderes do Estado.

Os números de mortos decorrentes das operações policiais registradas pela mídia são contraditórios, pouco confiáveis e mudam com novos relatos a cada dia. A resposta oficial, até agora, se resume a reiterar que se tratava de enfrentamentos com o crime organizado e que os agentes da segurança pública foram atacados por bandidos.

Cresce no Brasil a compreensão de que a democracia é incompatível com qualquer tipo de racismo. Cada chacina não deixa dúvidas quanto ao resultado objetivamente racista das operações. A maioria dos cadáveres é de pessoas negras. Os negros são considerados suspeitos por muitos policiais, com a presunção de que sejam criminosos. No caso da Bahia, detentora de evidente maioria afrodescendente, para orgulho de nosso país, os corpos negros assassinados se aproximam da proporção de 100%.

É intolerável que os comunicados oficiais tratem como meros efeitos colaterais as execuções de pessoas que nunca tiveram qualquer passagem criminal, registrando-se entre os mortos, como regra geral, adolescentes que cursam salas de aula e crianças na mais tenra idade.

A Comissão Arns rechaça a cantilena de que a defesa dos direitos humanos representa uma defesa de bandidos. Considera que todo policial morto no exercício de suas atribuições legais e constitucionais deve ser valorizado como herói nacional, sendo sua família protegida com todas as reparações possíveis.

Mais ainda: propõe que todos os profissionais dos sistemas de segurança pública se reconheçam, a si mesmos, como defensores de direitos humanos, sendo vistos assim pela comunidade cidadã.

Em nenhuma hipótese se pode admitir que as operações descambem para verdadeiros surtos de vingança. É imperativo que, nos três estados, sejam instauradas investigações absolutamente isentas, com oitiva protegida de cada testemunha, perícias confiáveis monitoradas pelas Ouvidorias e apresentação pública das gravações registradas pelas câmeras corporais.

Cabe punir exemplarmente qualquer excesso, ilegalidade ou crime que seja cometido pelos agentes do Estado. Reza a lei que nenhum policial tem autoridade para matar, senão em legítima defesa. Uma tentativa recente de contrabandear para dentro da legislação brasileira quesitos sobre excludentes de ilicitude foi adequadamente rejeitada por nossas instituições.

Um país que se orgulha de ter superado um longo período de solapamento dos pilares do Estado Democrático de Direito, com auge nas depredações de 8 de janeiro, não pode subestimar os riscos que a espiral de violência das polícias representa na mesma direção.

Quando o poder civil perde o controle sobre os aparatos de força que lhe são subordinados, a democracia volta a ser erodida com elevada gravidade.

Organismos de defesa dos direitos humanos da ONU e da OEA reagiram prontamente às chacinas de julho e agosto, com nítido desgaste para a imagem de um país que vem retornando com vigor à cena internacional como vitorioso no enfrentamento de um surto tirânico.

A Comissão Arns sente-se no dever de fazer um chamado especial às autoridades de Brasília, em especial aos ministros do Poder Executivo, para que acionem imediatamente todos os seus instrumentos e recursos para interromper essa escalada.

Nenhuma omissão ou indiferença pode ser admitida quando está em jogo o direito à vida, pedra angular e eixo central de toda a construção histórica dos direitos humanos.

São Paulo, 17 de agosto de 2023.

Comissão Arns

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