“É preciso desromantizar o controle e entender que ciúme não é prova de amor”, afirma o advogado criminalista Davi Gebara
Com o Dia dos Namorados se aproximando, o debate sobre relacionamentos afetivos entre jovens ganha contornos preocupantes. Dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que 37,5% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de agressão de um parceiro íntimo apenas nos últimos 12 meses, o maior índice desde 2017. Esse percentual representa cerca de 27,6 milhões de vítimas. A maioria dos casos está relacionada a violências psicológicas, morais e digitais, com forte incidência entre mulheres jovens, principalmente na faixa de 16 a 24 anos.
Para o advogado criminalista Davi Gebara, que atua em casos de violência de gênero e é especialista em direito penal, muitos comportamentos abusivos ainda são naturalizados por falta de informação e educação emocional. “É preciso desromantizar o controle e entender que ciúme não é prova de amor. O que muitas vezes começa como cuidado ou proteção, com o tempo se revela como um ciclo de domínio, chantagem e ameaça”, alerta.
Um dos focos mais críticos atualmente é a violência digital. Segundo levantamento da empresa de segurança Avast, o uso de aplicativos espiões cresceu 358% no Brasil em 2023. O chamado “stalkerware” é instalado em celulares para monitorar a vida da vítima sem seu consentimento. O Brasil é o segundo país do mundo em ocorrências desse tipo. Entre os jovens, o controle por aplicativos de localização, invasão de senhas e exigência de acesso a redes sociais já é visto como parte da relação. “O que mais preocupa é a dificuldade de reconhecer o abuso quando ele ocorre através da tecnologia. É uma forma de violência silenciosa, mas devastadora”, observa Gebara.
Em um caso recente, o advogado representou uma jovem universitária de 20 anos que denunciou o ex-namorado por perseguição e agressões psicológicas. “Ele controlava o que ela vestia, com quem falava e justificava tudo com declarações de amor. Quando ela decidiu terminar, passou a ser ameaçada. A medida protetiva só foi concedida após o caso ganhar visibilidade, mas ela precisou se afastar da faculdade por medo.”
A legislação brasileira tem avançado no enfrentamento a esses crimes. A Lei Maria da Penha é aplicável mesmo em relações não formais, como o namoro, e desde 2021, com a Lei do Stalking, perseguir alguém reiteradamente, inclusive por meios digitais, é crime com pena prevista de reclusão. No entanto, para especialistas como Gebara, a prevenção ainda é o maior desafio: “Não se trata apenas de punir. É preciso trabalhar na base, educando jovens para que reconheçam o que é um relacionamento abusivo e saibam buscar ajuda com segurança”.
Campanhas educativas, projetos nas escolas e iniciativas tecnológicas têm surgido como resposta. Em 2025, o Tinder implementou ferramentas de segurança no Brasil, como verificação de identidade por vídeo-selfie e suporte emergencial para usuárias. Organizações como a SaferNet Brasil e o projeto Justiceiras têm oferecido acolhimento online para vítimas. “Mas a mudança cultural é lenta, e é justamente nessa lentidão que muitos casos ganham espaço para se agravar”, conclui Gebara.
Para ele, o Dia dos Namorados deve ser também uma data de reflexão. “O amor precisa ser leve, respeitoso e livre. Qualquer relação que se baseie no medo, na vigilância ou na culpa não é amor. Jovens precisam saber disso antes de tudo.”