A algumas semanas das eleições norte-americanas, a campanha de Kamala Harris já estava, supostamente, garantindo seu lugar nas lições do marketing digital, pela capacidade de dialogar com o público jovem, na linguagem e nas plataformas em que essa população conversa, bem como pelo destaque de engajamento de seus conteúdos virais, memetizando suas fraquezas e os focos de crítica, no típico humor americano de fazer piada consigo e suas próprias exposições.
Tudo isso, realmente, foi muito bem-sucedido, especialmente diante do desafio de superar o episódio da desistência de Biden do pleito, o que aumentou o nível de confiança da campanha e dos eleitores democratas mais convictos.
Por que, então, uma campanha que parecia tão engajada nas redes não engajou nas urnas? Enquanto até ontem (05.11) falava-se em um empate técnico e uma possível vitória apertada de Trump, também não fazia sentido falar que a campanha de Harris teria fracassado na conversão do engajamento em voto. Mas, hoje, observando-se o resultado, vê-se que os democratas voltam para a casa amargando uma derrota para além das previsões.
Eu tenho dito, em determinadas ocasiões em que se debatem campanhas políticas em geral, que alguns partidos e candidatos passaram a se acostumar a fazer “a campanha mais bonita e da qual muito podem se orgulhar” – sem fazer a campanha vencedora.
A crítica central que cabe à campanha de Harris reflete, muito, a crítica que também se aplica às campanhas da esquerda, em geral – e no Brasil, em especial. Estar apaixonado demais pelas próprias ideias é um dos maiores perigos, em um pleito no qual você precisa de votos de quem não compartilha das suas paixões, no seu nível de convicção.
Enquanto a direita, no mundo afora, passou a falar sobre problemas internos e particularmente os inerentes às vidas e aos cotidianos dos eleitores de classe média e dos mais pobres, a esquerda tem deixado seu discurso de campanha ser dominado por questões pouco objetivas, como pautas identitárias e a luta contra a volta do fascismo no mundo.
Jamais escreveria para dizer que não é relevante lutar para se barrar qualquer tipo de renascimento e avanço do fascismo, em qualquer canto da Terra, em qualquer época do ano. Mas é bastante curioso que a esquerda tenha deixado de ser o lado político que fala com a população sobre melhorar de vida. A direita, com isso, em grande parte das democracias no mundo, tornou-se o campo de fomento ao sonho de prosperidade das famílias.
Embora algumas pautas progressistas sejam inquestionavelmente virais e altamente engajáveis nas redes, mais ainda junto a um público que tem enorme domínio digital, é preciso reconhecer que não foram os “jovens nas redes sociais” que venceram as eleições para Trump em 2016; não foram eles que venceram em 2018 para Bolsonaro; tampouco foram os jovens que determinaram a nova vitória de Trump em 2024.
Quando se está em campanha, as redes entram em “alta temporada”, e todo mundo viaja para este lugar chamado “X”. Não é mais o público de sempre que importa, embora seja este o público que detenha a maior capacidade de viralizar seus conteúdos e gerar engajamento dentro das métricas das plataformas.
É cedo – e arrogante – deixar desde já a lição. Mas vale refletir que, como se nota, o engajamento entre seu próprio público não é suficiente para eleger o candidato progressista, nem nos Estados Unidos, nem no Brasil, e nem em lugar nenhum do mundo. Não importa o quão forte, viral e evolvente este engajamento seja.
** Por Marcos Carvalho, CEO e fundador da AM4 Brasil.