Com aulas de dança e poesia em Libras, iniciativa comandada pela pedagoga e bailarina Keyla Ferrari rompe barreiras, redefine o que é inclusão no universo artístico e dialoga com os movimentos de conscientização do mês de setembro.
Setembro é um mês simbólico para a inclusão. De um lado, o Setembro Verde chama atenção para a importância da inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços sociais. De outro, o Setembro Azul celebra a cultura surda e a Língua Brasileira de Sinais (Libras), fortalecendo a luta por visibilidade e direitos da comunidade surda. O projeto “Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos”, desenvolvido na Região Metropolitana de Campinas, une os dois movimentos em uma mesma proposta: arte acessível, protagonizada por pessoas cegas e surdocegas.
Em um salão de dança, onde a música se faz sentir mais pelo toque do que pelo som, corpos se movem guiados por mãos, vibrações e afetos. É assim que acontece o projeto, que oferece aulas gratuitas de dança adaptada e poesia em Libras e Libras Tátil para pessoas com deficiência visual e surdocegueira.
A iniciativa, que começou priorizando o público feminino, rapidamente se expandiu e hoje atende 17 mulheres e 8 homens com cegueira total ou parcial, além de pessoas com surdocegueira. As aulas são realizadas no Centro Cultural Louis Braille, no Espaço CIS Guanabara (Unicamp) e na Associação Hortolandense de Pessoas com Deficiência Visual.
“No início, pensamos em oferecer um espaço de empoderamento para mulheres com deficiência visual, mas alguns homens começaram a se interessar, a entrar nas aulas e, como a verdadeira inclusão não faz seleção, ampliamos o projeto”, explica a idealizadora e diretora artística Keyla Ferrari Lopes, que é bailarina, pedagoga, intérprete de Libras, arte-educadora e especialista em inclusão.
O corpo como linguagem
No projeto, o ensino da dança rompe paradigmas tradicionais. O movimento nasce do toque, da percepção do próprio corpo e da escuta sensível, que nem sempre é feita com os ouvidos, mas com as mãos, com o tato e até com a vibração do ambiente.
Para pessoas surdocegas, como o aluno Luiz Pantullo, o aprendizado da dança acontece por meio da Libras Tátil, uma linguagem que se comunica pelas mãos. A presença dele nas aulas foi tão transformadora que despertou nas colegas cegas o desejo de aprender Libras, gerando um ciclo de aprendizado e conexão.
“A gente aprende muito mais com eles do que o contrário. Cada aula é uma troca. Eles me ensinam a ressignificar tudo, até o conceito de dança e de linguagem”, conta Keyla, que celebra, além dos desafios do projeto, também sua vitória pessoal na luta contra um câncer, hoje em remissão.
Muito além da técnica
O projeto “Sinestesia” não é só sobre dança. É sobre pertencimento, autonomia, empoderamento e a possibilidade real de ocupar espaços artísticos. As oficinas trabalham desde dança contemporânea, sapateado adaptado até a escrita poética em Libras e Libras Tátil, além de práticas de cenografia e expressão corporal.
“Dança não é só sobre quem vê. É sobre quem sente, quem percebe e quem se comunica com o mundo de outras formas. Nosso objetivo não é só reabilitar, é criar arte, ocupar os palcos, mostrar que qualquer corpo é um corpo dançante, é um corpo poético”, destaca Keyla.
O encerramento em cena
As atividades culminam em uma apresentação aberta e gratuita ao público, onde os participantes mostram suas criações em dança e poesia, rompendo as barreiras do capacitismo e expandindo os limites do que é considerado arte.
“Quando a sociedade entende que uma pessoa com deficiência não é apenas paciente ou reabilitada, mas é artista, tudo muda. O palco é de todos”, reforça a diretora.
Sobre Keyla Ferrari Lopes
Bailarina, pedagoga, intérprete de Libras, arte-educadora e escritora. Atua há mais de 20 anos na área de educação inclusiva e acessibilidade cultural. Desenvolve projetos que unem arte, educação e inclusão, criando metodologias próprias para ensino de dança e expressão artística para pessoas com deficiência. É também autora de sete livros infantis sobre diversidade, inclusão e neurodivergências.
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Letícia Gusman
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